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02/22
Guerra obriga governo a repensar Orçamento do Estado de 2022
Média do petróleo desde início deste ano até ontem já vai em mais de 89 dólares. Está mais de 30% acima da hipótese de base da proposta de OE2022, por exemplo. É certo que a situação pode evoluir, o mercado é bastante volátil, e compensar este pico mais à frente, no ano. Mas se a guerra durar, há um problema grave.
Petróleo muito mais caro, inflação a acelerar, taxas de juro que devem subir para tentar deter o galope nos preços, bens industriais em falta, procura externa em xeque perante o cenário de uma nova crise económica internacional, um clima de pessimismo crescente que vai condicionar as decisões de empresários e investidores.
Ainda a pandemia não acabou e agora rebenta uma guerra mesmo ao lado da União Europeia (UE). A Rússia invadiu a Ucrânia. Sanções e barreiras ao comércio e aos negócios estão já garantidas e anunciadas. Vêm juntar-se ao fogo e às bombas que fustigam os céus e os solos da antiga república soviética. Já há baixas humanas.
Mesmo a quatro mil quilómetros de distância, Portugal está muito vulnerável e, sabe o Dinheiro Vivo, o governo de Lisboa está a repensar as grandes linhas da proposta de Orçamento do Estado de 2022 (OE2022), que acabou por ficar pelo caminho em novembro passado, levou à queda do governo e a eleições antecipadas em janeiro. O OE, se tudo correr como planeado, pode entrar em vigor lá para abril ou maio.
Mas é um facto que as hipóteses de base do OE parecem ter caducado. O petróleo, por exemplo. A economia portuguesa, mesmo com os progressos feitos noutras fontes menos carbónicas (solar, eólicas, barragens), continua a ser altamente dependente do crude importado. Logo por azar, o ano é de seca grave e extrema, o que pode limitar a capacidade de produção elétrica pela via hídrica.
Outubro já lá vai
Em outubro, o governo assumiu (com base na informação dos mercados de futuros do barril de petróleo Brent, a referência clássica da economia portuguesa), um preço médio de 67,8 dólares por barril em 2022. É o valor que consta nas "principais hipóteses para o enquadramento internacional" do Orçamento que não aconteceu ainda.
Ora, hoje, estamos muito longe desse valor. Esta semana, na quinta, no dia a seguir ao assalto russo à Ucrânia, o Brent chegou quase aos 106 dólares. Fazendo a média diária desde o início deste ano, o petróleo já vai em mais de 89 dólares. Está mais de 30% acima da referida hipótese de base.
É certo que a situação pode evoluir, o mercado é bastante volátil, e compensar este pico mais à frente, no ano. Mas se a guerra durar, há um problema grave.
Petróleo mais caro tem, só por si, um efeito depressor na economia. As Finanças dizem que o impacto no produto interno bruto (PIB) tende a ser ligeiro. Mas não no endividamento da economia, no défice comercial e na inflação.
Três pressupostos desatualizados, pelo menos.
O ministério refere que "de acordo com as expectativas implícitas nos mercados de futuros, o preço do petróleo deverá situar-se em torno de 68 dólares por barril (cerca de 57 euros) em 2022, valor próximo ao estimado para 2021, num cenário de continuação de um forte crescimento da procura mundial, em conjugação com a retoma gradual da oferta da OPEP ao longo desse ano, a qual foi sujeita a cortes de produção significativos desde o surgimento da pandemia".
E admitiu no OE que "nos preços das matérias-primas não energéticas prevê-se um crescimento mais moderado em 2022 relativamente a um aumento muito acentuado em 2021".
Assumiu ainda que "o prosseguimento de uma política monetária muito acomodatícia [juros muito baixos da parte do Banco Central Europeu]" e que "prevê-se que as taxas de juro de curto prazo se mantenham em valores negativos durante um período mais prolongado do que inicialmente previsto".
Nenhum destes três pontos que aparecem no OE são hoje adquiridos ou mesmo válidos. Está tudo muito mais caro e o BCE não vai (ou não pode) ser tolerante com uma inflação sem controlo. O eixo desejado pelo BCE é 2% de inflação no médio prazo.
Mas voltemos ao petróleo. Diz o governo que "um cenário em que o preço do petróleo se situe 20% acima do assumido no cenário base teria, de acordo com a simulação efetuada, um impacto pouco significativo no crescimento do PIB em 2022, em virtude da redução no crescimento das importações compensar o menor crescimento do consumo".No entanto, este "choque", que agora já não está nos 20%, mas acima de 30%, "teria um impacto significativo na capacidade de financiamento da economia face ao exterior, estimando-se um efeito negativo resultante de uma deterioração da balança energética", segundo as Finanças.
"Adicionalmente, o choque levaria a um aumento do deflator do consumo privado [a inflação que cai em cima das famílias]." Já o impacto na taxa de desemprego "seria residual em 2022, uma vez que se assume um efeito no mercado de trabalho desfasado no tempo", defende o ministério de João Leão.
Outros canais de transmissão
Mas há outros canais de transmissão que estão e vão ser mais afetados pela guerra. A preciosa procura externa dirigida a Portugal. O quadro de hostilidade vem emperrar a lenta recuperação que estava em curso do comércio e dos negócios internacionais. Os fluxos de investimento também ficam mais vulneráveis e perturbados, como é óbvio.
Sobre isto, o Ministério das Finanças diz que "uma redução do crescimento da procura externa em 2 pontos percentuais (p.p.) face ao projetado no cenário base de 2022 teria um efeito negativo no crescimento real do PIB, originando um crescimento inferior em 0,3 p.p. relativamente ao cenário base". Traduzindo: a subida da procura externa prevista pelo governo era de 3,6% em 2022. Se emagrecer para 3,4%, a retoma será de 5,2% este ano em vez dos 5,5% previstos no OE.
O"Este impacto resultaria essencialmente de um menor crescimento das exportações, com um efeito igualmente negativo no saldo da balança de bens e serviços e reduzindo a capacidade de financiamento da economia face o exterior. No mercado de trabalho, apesar de este impacto apresentar um efeito diferido no tempo, o ritmo de redução da taxa de desemprego abrandaria 0,1 p.p. Em 2022", mas o efeito na inflação "seria pouco significativo", segundo o estudo do mesmo ministério.
Não parece muito, mas o efeito depressor no PIB complica sempre o caminho para a meta do défice e da dívida. Menos PIB significa que ambos os rácios aumentam, automaticamente. O alvo para o défice de 2022 estava em 3,2% do PIB. A dívida nos 122,8%.
Portugal quer cumprir as regras do Pacto, que vão voltar a ser ativadas em 2023. O défice tem de estar abaixo dos 3% e a dívida deve convergir para 60% do PIB. Portugal está bastante longe deste objetivo o que exige um esforço orçamental persistente e anual de grandes dimensões. Algo que é pouco consentâneo em clima de crise e guerra.
A folga de 2021
Se o ano de 2021 correu "melhor" do que o esperado no plano orçamental, como diz o governo e o próprio governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, pode ser que haja uma folga que ajude a acomodar os efeitos desta nova crise.
Em todo o caso, Portugal precisa mesmo que a economia cresça bem nos próximos anos para sarar as feridas da pandemia e resolver as heranças negativas das últimas décadas, como o endividamento excessivo e o fraco potencial produtivo. A guerra que está a contaminar a Europa (UE) só vem atrasar o esforço e baralhar o arsenal financeiro e económico que estava desenhado para impulsionar a retoma de Portugal.
Como referido, vários vetores cruciais para o normal funcionamento da economia portuguesa estão a sair dos eixos e isso já estará a obrigar o governo e o Ministério das Finanças, em particular, a calibrar várias traves mestras orçamentais.
Há países europeus onde não é bem assim, mas em Portugal o OE é (e tem sido historicamente) um instrumento estruturante que serve para guiar a economia e as expectativas de famílias e empresários. Mais ainda nesta fase, em que há um reforço de fundos europeus, designadamente subvenções (verbas a fundo perdido) sob o chapéu do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).(26.02.22/Fonte: Dinheiro Vivo)Último trimestre de 2021 foi "o melhor de sempre" para as exportações de calçado
A indústria portuguesa de calçado exportou 1676 milhões de euros em 2021, mais 12% face a 2020 e 6% abaixo de 2019, com o último trimestre do ano a superar "as melhores previsões".
"O último trimestre foi já o melhor de sempre (mais 6% do que em 2019) do calçado português nos mercados internacionais, para onde o setor exporta mais de 95% da sua produção", avança a Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) em comunicado.
De acordo com a associação, "ainda que os dados internacionais apontem para uma recuperação plena do calçado a nível mundial apenas em 2023, no caso português o último trimestre do ano superou já as melhores previsões".
A APICCAPS recorda que o impacto da pandemia provocou uma queda do consumo de calçado na ordem dos 20% a nível mundial, que se traduziu numa quebra de quatro milhões de pares, "o equivalente a 70 anos de produção de calçado em Portugal".
Na totalidade do ano 2021, Portugal exportou 69 milhões de pares de calçado, no valor de 1676 milhões de euros, tendo as vendas crescido "em todos os mais relevantes mercados", com destaque para o alemão, com um acréscimo de 28%, para 389 milhões de euros.
Fora da Europa, a APICCAPS realça os "bons desempenhos" nos EUA (mais 15,2%, para 75 milhões de euros), Canadá (mais 26,7%, para 12 milhões de euros), China (mais 17,1%, para 20 milhos de euros) e Austrália (mais 39,8%, para nove milhões de euros).
A associação destaca mesmo que, em alguns segmentos de produtos, como o calçado segurança (crescimento de 16% para 29 milhões de euros), calçado impermeável (mais 56%, para 56 milhões de euros) ou calçado em materiais têxteis (crescimento de 36%, para 75 milhões de euros) o setor alcançou "novos máximos históricos em matéria de exportação".
"O setor terminou o ano a crescer a um excelente ritmo no exterior, sendo esse um registo que pretendemos manter em 2022", sublinha o presidente da APICCAPS, citado no comunicado.
Segundo Luís Onofre, "as empresas foram resilientes, adaptaram-se a um mercado em mudança e fizeram o trabalho de casa para estarem, agora, bem posicionadas para enfrentar uma nova década de crescimento nos mercados internacionais".
No que se refere às importações, em 2021 somaram 44 milhões de pares, no valor de 527 milhões de euros (mais 2,7%), o que resulta num saldo positivo do setor de 1.149 milhões de euros.
"O calçado continua a desempenhar um papel muito relevante na economia portuguesa, sendo um dos produtos que mais positivamente contribui para o equilíbrio da nossa balança comercial externa", salienta Onofre.
De acordo com a APICCAPS, o ano 2021 foi também "de afirmação no exterior" para o setor de artigos de pele e marroquinaria, que bateu um novo recorde ao exportar um total de 202 milhões de euros, mais 31% face ao ano anterior.
Os artigos de pele portugueses "cresceram praticamente em todos os mercados", com destaque para os desempenhos em Espanha (mais 24%, para 53 milhões de euros) e França (mais 49%, para 44 milhões de euros).(14.02.22/Fonte: Jornal de Notícias)